Acordo internacional sobre poluição por plásticos está próximo de ser aprovado

A Profa. Dra. Cristiane Derani, ex-pró-reitora da UFSC, escreve sobre a decisão da Assembleia Ambiental das Nações Unidas de, com a resolução 5/14 de 02 de março de 2022, construir uma convenção internacional vinculante sobre poluição por plástico, incluindo o ambiente marinho. Leia o artigo assinado pela pesquisadora, que é doutora em direito pela USP e Coordenadora do grupo de pesquisa em Estudos Avançados em Economia e Meio Ambiente no Direito Internacional (EMAE)

Diante de 7 bilhões de toneladas de plástico acumulados no planeta Terra, a Assembleia Ambiental das Nações Unidas decidiu, com a resolução 5/14 de 02 de março de 2022, construir uma convenção internacional vinculante sobre poluição por plástico, incluindo o ambiente marinho. Reafirmando diversas resoluções prévias que demandam ação global de cooperação e governança para eliminar a poluição por plástico no ambiente marinho, essa nova iniciativa sublinha a necessidade de se adotar alternativas já disponíveis para substituir o plástico. A partir dela duas reuniões preparatórias do acordo ocorreram. A primeira em Punta del Este, no Uruguai em novembro de 2022 e a segunda nessa semana que passou entre 29 de maio e 02 de junho. Com mais de 1700 participantes, 169 países e 900 observadores o encontro teve sede na UNESCO em Paris.

As reuniões iniciaram sob tensão, com discussões relativas à aprovação final do documento. A proposta – ainda não completamente aceita – é de que o Acordo seja aprovado por pelo menos dois terços dos Estados votantes, o que facilitaria a finalização, considerando que a praxe dos documentos internacionais manda serem aprovados por consenso.

Superado esse impasse, tomaram-se as questões substanciais, basicamente distribuídas em: objetivos, princípios, obrigações, responsabilidades. Delegados dos Estados reuniam-se até bem tarde para buscar um mínimo de consenso sobre conteúdo, a fim de se estruturar o que chamam de « zero draft ». Isto é, um primeiro rascunho, que deve ser encaminhado aos membros, para se encontrarem em Nairobi em novembro desse ano.

Segundo Inger Andersen, Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o mundo espera um acordo amplo, inovativo, inclusivo e transparente, baseado na ciência e nas manifestações dos stakeholders.

Espera-se com esse tratado, a ser aprovado até 2024, reduzir a produção de plástico, banir os produtos mais poluentes, criar meios de inovação, incluindo forte regulação e incentivos para o setor privado para fazer a transição. O tratado não deve se conformar em estimular a reciclagem. Seu objetivo é reduzir a dependência, criando alternativas ao longo da cadeia de produção. Especial atenção foi dada à obrigação de se eliminar a presença de microplásticos nos oceanos e proibir sua produção. Há um consenso sobre seus efeitos deletérios, em especial, na cadeia alimentar, já bastante denunciado pela FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimento.

Um aspecto constantemente referido como chave para a eliminação da poluição por plásticos é o da adoção de uma cadeia circular. A produção de plásticos e sua utilização, segue uma linearidade que finaliza com sua dispersão no ambiente, gerando externalidades negativas prejudiciais a todo o planeta, destruindo biodiversidade e a saúde humana. O acordo internacional deve oferecer meios para a transição para uma economia circular. Entende-se que, juntamente com os documentos recentemente aprovados para a proteção da biodiversidade (Quadro para a biodiversidade global Kunning-Montreal e a Convenção sobre o direito do mar sobre a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica marinha em áreas além da jurisdição nacional), esse novo tratado contribuirá para construir uma globalização mais justa que proteja a natureza e encoraje inovação que não mais agrida o planeta.

Nas discussões sobre objetivos foi destacada a necessidade de se atentar para os objetivos do desenvolvimento sustentável, a Agenda 2030, sublinhando a proteção do ambiente marinho, da biodiversidade e em especial a necessidade de novos processos de produção e consumo. Princípios como o da precaução, da avaliação de impacto, do poluidor pagador e em especial.

Diversas obrigações foram enunciadas, ressaltando as responsabilidades já preconizadas pela Convenção sobre poluição do mar – MARPOL e a Convenção da Basiléia sobre o movimento transfronteiriço de resíduos perigosos, onde se devem incluir os plásticos.

Dedicada atenção foi dada à inserção de EPR, um acrônimo que refere-se à responsabilidade estendida sobre o produto. Derivada do princípio do poluidor-pagador, trata-se de um instrumento jurídico fundamental para  a recuperação do ambiente degradado, pois vincula o produtor do material poluente à obrigação de reparar.

Como se poderia esperar, não houve consenso na introdução desse mecanismo. Não obstante, há de se trabalhar para que a adoção dessa responsabilidade tanto no nível nacional como internacional seja garantida, sem a qual a força do acordo discutido perde muito de sua efetividade.

O mundo não suporta mais uma globalização tão destrutiva e injusta. Os representantes internacionais o sabem. Todavia, as forças são plurais e nem sempre convergentes. É importante assinalar que, entre os representantes da sociedade civil, encontravam-se as associações empresariais e indústrias responsáveis pela produção e dispersão no ambiente de plásticos e polímeros sob os quais a vida submerge asfixiada.

A responsabilidade dos Estados para com os seres humanos e a vida na Terra deve superar os interesses econômicos comezinhos utilizados para um convencimento, cuja ética política precisa ser firmemente discutida.

Toda estrutura pesada das Nações Unidas é justificada para a construção da paz, da justiça e da preservação da vida. A existência dessa tríade depende de algo comum: a conexão, interdependência e solidariedade nas relações. As Nações Unidas têm perdido sua força diante do gigantesco poder econômico que sobre ela atua. Cabe aqui repetir o apelo feito pelo presidente da Corte Internacional de Justiça, Weeramantry, em 1997, ao manifestar-se pela proibição de exercícios nucleares no pacífico, repreendendo o silêncio da Corte na solução de questões ambientais. « se não agora, quando? ». A ver como responderão os Estados. 

Para saber mais sobre o tema:

O que os países da América Latina e Caribe estão fazendo para enfrentar a poluição do lixo plástico

Enquanto houver quem queira cuidar dos mares, há esperança